domingo, 27 de outubro de 2013

A menina quebrada

Era uma festa. Comemorávamos a vinda de um bebê que ainda morava na barriga da mãe. Eu havia acabado de segurá-la para que ela passasse a pequena mão na água da fonte do jardim. Ela tentava colocar o dedo gorducho no buraco para que a água se espalhasse, como tinha visto uma criança mais velha fazer. Parecia encantada com a possibilidade de controlar a água. Tem 1 ano e oito meses, cabelos cacheados que lhe dão uma aparência de anjo barroco e uns olhos arregalados. Com olheiras, Catarina é um bebê com olheiras, embora durma bem e muito. De repente, ela enrijeceu o corpo e deu um grito: “A menina.... A menina.... Quebrou”.  
Era um grito de horror. O primeiro que eu ouvia dela. Animação, manha, dor física, tudo isso eu já tinha ouvido de sua boca bonita. Aquele era um grito diferente. Não parecia um tom que se pudesse esperar de alguém que ainda precisava se esforçar para falar frases completas. Catarina estava aterrorizada. “A menina... A menina...” Ela continuava repetindo. Olhei para os lados e demorei um pouco a enxergar o que ela tinha visto em meio à tanta gente. Uma garota, de uns 10, 12 anos, talvez, com uma perna engessada. “Quebrou...” Catarina repetia. “A menina... quebrou.” 
Ela não olhava para mim, como costuma fazer quando espera que eu esclareça alguma novidade do mundo. Era mais uma denúncia. Pelo resto da festa, ela gritou a mesma frase, no mesmo tom aterrorizado, sempre que a menina quebrada passava por perto. Nos aproximamos da garota, para que Catarina pudesse ver que ela parecia bem, e que os amigos se divertiam escrevendo e desenhando coisas no gesso, mas nada parecia diminuir o seu horror. Os adultos próximos tentaram explicar a ela que era algo passageiro. Mas ela não acreditava. Naquele sábado de janeiro Catarina descobriu que as pessoas quebravam.  
Eu a peguei, olhei bem para ela, olho no olho, e tentei usar minha suposta credibilidade de madrinha: “A menina caiu, a perna quebrou, agora a perna está colando, e depois ela vai voltar a ser como antes”. Catarina me olhou com os olhos escancarados, e eu tive a certeza de que ela não acreditava. Ficamos nos encarando, em silêncio, e ela deve ter visto um pouco de vergonha no assoalho dos meus olhos. Era a primeira vez que eu mentia pra ela. E dali em diante, ela talvez intuísse, as mentiras não cessariam. Naquela noite, depois da festa, fui dormir envergonhada.  
O que eu poderia dizer a você, Catarina? A verdade? A verdade você já sabia, você tinha acabado de descobrir. As pessoas quebram. Até as meninas quebram. E, se as meninas quebram, você também pode quebrar. E vai, Catarina. Vai quebrar. Talvez não a perna, mas outras partes de você. Membros invisíveis podem fraturar em tantos pedaços quanto uma perna ou um braço. E doer muito mais. E doem mais quando são outros que quebram você, às vezes pelas suas costas, em outras fazendo um afago, em geral contando mentiras ou inventando verdades. Gente cheia de medo, Catarina, que tem tanto pavor de quebrar, que quebram outros para manter a ilusão de que são indestrutíveis e podem controlar o curso da vida. E dão nomes mais palatáveis para a inveja e para o ódio que os queima. Mas à noite, Catarina, à noite, eles sabem. 

E, Catarina, você tem toda a razão de duvidar. Depois de quebrar, nunca mais voltamos a ser como antes. Haverá sempre uma marca que será tão você quanto o tanto de você que ainda não quebrou. Viver, Catarina, é rearranjar nossos cacos e dar sentido aos nossos pedaços, os novos e os velhos, já que não existe a possibilidade de colar o que foi quebrado e continuar como era antes. E isso é mais difícil do que aprender a andar e a falar. Isso é mais difícil do que qualquer uma das grandes aventuras contadas em livros e filmes. Isso é mais difícil do que qualquer outra coisa que você fará.  
Existe gente, Catarina, que não consegue dar sentido, ou acha que os farelos de sentido que consegue escavar das pedras são insuficientes para justificar uma vida humana, e quebra. Quebra por inteiro. Estes você precisa respeitar, porque sofrem de delicadeza. E existe gente, Catarina, que só é capaz de dar um sentido bem pequenino, um sentido de papel, que pode ser derrubado mesmo com uma brisa. E essa brisa, Catarina, não pode ser soprada pela sua boca. Ser forte, Catarina, não é quebrar os outros, mas saber-se quebrado. É ser capaz de cuidar de seus barcos de papel – e também dos barcos dos outros – não como uma criança que os imagina poderosos, de aço. Mas sabendo que são de papel e que podem afundar de repente. 
Não, acho que eu não poderia ter dito isso a você, Catarina. Não naquela noite, não agora. Ao lhe assegurar, cheia de autoridade de adulto, que tudo estava bem com a menina quebrada, com qualquer e com todas as meninas quebradas, o que eu dei a você foi um vislumbre da minha abissal fragilidade. Esta, Catarina, é uma verdade entre as tantas mentiras que lhe contei, ao tentar fazer com que acreditasse que eu seria capaz de proteger você. Vai chegar um momento, se é que já não houve, em que você vai olhar para todos nós, seus pais, seus “dindos”, seus avós e tios, e vai perceber que nós todos vivemos em cacos. E eu espero que você possa nos amar mais por isso.  
Essa conversa, Catarina, está apenas adiada. Talvez, daqui a alguns anos, você precise me perguntar como se faz para viver quebrada. Ou por que vale a pena viver, mesmo se sabendo quebrada. E eu vou lhe contar uma história. Ela aconteceu alguns dias depois daquela festa em que você descobriu que até as meninas quebram. Nós estávamos na fila do caixa do supermercado perto de casa, com uma cesta cheia de compras, e havia um homem atrás de nós. Era um homem vestido com roupas velhas e sujas, parte delas quase farrapos. E ele cheirava mal. Poderia ser alguém que dorme na rua, ou alguém que se perdeu na rua por uns tempos. Ficamos com medo de que o segurança do supermercado tentasse tirá-lo dali, ou que a caixa o tratasse com rispidez, ou que as outras pessoas na fila começassem a demonstrar seu desconforto, como sabemos que acontece e que jamais poderia acontecer. Enquanto pensávamos nisso, ele nos abordou. E pediu, com toda a educação, mas com os olhos dolorosamente baixos: “Por favor, será que eu poderia passar na frente, porque tenho pouca coisa?”.  
Quando lhe demos passagem, vimos que o homem não tinha pouca coisa. Ele só tinha uma. Sabe o que era, Catarina?  
Um sabonete. Era o que havia entre as mãos de unhas compridas e sujas, junto com algumas moedas e notas amassadas, como em geral são as notas que valem pouco. Aquele homem, que parecia ter perdido quase tudo, aquele homem talvez ainda mais quebrado que a maioria, porque tinha perdido também a possibilidade de esconder suas fraturas, o que ele fez? Quando conseguiu juntar uns trocados, o que ele escolheu comprar? Um sabonete. 
Catarina, talvez um dia, daqui a alguns anos, você volte a me olhar nos olhos e a dizer: “A menina... quebrou”. Ou: “Eu... quebrei”. E talvez você me pergunte como continuar ou por que continuar, mesmo quebrada. E eu vou poder lhe dizer, Catarina, pelo menos uma verdade: “Por causa do sabonete”. 

Eliane Brum

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

TKS São Marcos







Ele nunca precisou de marketing, de publicidade, nunca teve escândalos na mídia, não deixou o Palmeiras na hora em que o time mais precisava, não deixou de dizer o que pensava em todas as vezes que foi questionado, não saiu por aí com modelinhos e atrizes da Globo, não fez participação na Malhação e nem foi capa da revista Caras. Ele sempre foi São Marcos, sempre foi aquele cara que de fato vestiu um manto sagrado e o tratou como tal.
São Marcos é aquela pessoa que você não precisa conviver para amar e respeitar. Ele é somente um humano, com erros e acertos, que fez as escolhas de seu coração e que por isso tornou-se um ídolo. O maior da história.
Para alguns isto é exagero, loucura, doença, mas só quem é palmeirense de corpo, alma e coração sabe o que esse homem representa, sabe o quanto ele deixará saudades no gramado, o quanto será difícil iniciar um jogo sem gritar “puta que pariu, é o melhor goleiro do Brasil, MARCOS”.
Todo time tem goleiro, mas só o meu Palmeiras teve por 20 anos, um santo chamado Marcos, um santo que fez milagres nos gramados do Palestra Itália, que nos fez pular, chorar, gritar e cantar.
Todas as homenagens do mundo serão insuficientes para demonstrar a gratidão que nós palestrinos sentimos por esse atleta que é referencia de honestidade, caráter, profissionalismo e PALMEIRAS, porque sim, de todos que entraram em campo nos últimos anos, somente ela sabe o que realmente significa ser e viver Palmeiras.
Obrigada guerreiro, obrigada São Marcos por ter me feito uma pessoa mais palmeirense a cada dia, por ter jogado a série B, por ter chamado a responsabilidade tantas vezes, por ter feito parte da minha vida por todos esses anos. Por cada emoção que me fez sentir, pelo orgulho que me deu a cada pênalti defendido, por mesmo sem nunca saber da minha existência, ter sido uma referencia em todos os momentos em que pensei em desistir de qualquer coisa. Obrigada por ter se quebrado todo para defender as cores da Sociedade Esportiva Palmeiras por todos esses anos.





#SãoMarcosEterno

domingo, 23 de maio de 2010

Dentro

Me escondi,
pra não ter que ver você dizer
coisas que eu não merecia ouvir
era você ou eu.

Escolhi,
o pior lugar pra me esconder
me tranquei por dentro de você
e não sei mais sair.

Pela rua penso em ti,
Volto em casa penso em ti,
no trabalho sem querer
quando vejo tô pensando em você.

Ressurgi,
de onde eu não imaginei
e aprendi que nunca sei
enganar meu coração.

Escrevi,
frases soltas pelo chão
esperei você dormir
pra jurar minha paixão.

Escolhi,
o pior lugar pra me esconder
me tranquei por dentro de você
e não sei mais sair.

Pela rua penso em ti,
volto em casa penso em ti,
no trabalho sem querer
quando vejo estou pensando em você.

Ressurgi,
de onde eu não imaginei
e aprendi que nunca sei
enganar meu coração.

Escrevi,
frases soltas pelo chão
esperei você dormir
pra jurar minha paixão.

(Ana Carolina)

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Violência entre as torcidas organizadas de São Paulo

Por Talita Kibaiasse


A cada término de clássicos, os sites além de informarem os melhores lances dos jogos, também informam o número de vitimas, os locais que foram palco da violência entre torcidas organizadas e às vezes até mesmo o número de pessoas que morreram.
O futebol é a paixão do brasileiro e é comum deparar-se com pessoas nas ruas, meios de transportes e locais de lazer com acessórios ou camisas dos times e futebol.
O paulista, como todo brasileiro, é fiel ao time em todas as fases, prova disso é o apoio que o torcedor palmeirense deu ao time em 2002, quando o Palmeiras foi rebaixado. Assim como a campanha “eu nunca vou te abandonar porque eu te amo” que o torcedor corinthiano fez em 2008, para apoiar o time que estava na série B do campeonato brasileiro.
O torcedor brasileiro comparece aos jogos na chuva, no sol e em qualquer dia da semana, grita, vibra, torce, chora, mas também bate. Conforme o senador Gerson Camata (PMDB) é uma minoria que estraga o divertimento dos demais. Foi pensando nisto que em 23 de junho de 2009 a Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) aprovou o projeto da Lei da Câmara 82/09 com a finalidade de combater a violência nos estádios punindo as torcidas organizadas que promoverem violência e tumulto afastando-as dos estádios por até três anos.
A rivalidade entre estas torcidas organizadas é tão grande que muitas vezes as músicas cantadas no estádio mais ofendem as outras torcidas do que incentivam o time. A Gaviões da Fiel, maior torcida organizada do Corinthians, fez uma música para ofender o torcedor palmeirense que diz “a gente gosta de bater nos porcos. De dar Porrada e de dar paulada. A gente bate, bate, bate forte e não quer parar” . Já a Torcida Jovem do Santos, sempre canta na Vila Belmiro (estádio do Santos Futebol Clube) e nos estádios paulistas a música que ofende o torcedor corinthiano dizendo: “ se não sabe cala a boca não venha marcando toca. Resolvemos essa parada aqui no bang-bang, estourando a gambazada, tirando todo o seu sangue “.
Estas músicas não são exclusivas destes dois times, a torcida Independente, do São Paulo Futebol Clube também costuma gritar, nos clássicos São Paulo X Palmeiras, músicas que possuem o conteúdo como “vou acabar com a porcomania. É a ordem do dia porque ser palmeirense nunca foi fama de ser mau. Se não der na mão, eu brigo até de pau. Pode vir todo mundo eu não temo ninguém, sou independente mato um mato cem”. Para revidar, a torcida Macha Verde do Palmeiras, também criou estrofes como “Sai, sai da frente, que eu vou matar independente” e plagiando a música ritmo de festa do apresentador Silvio Santos, canta “ritmo de festa que balança o coração. É festa todo dia no metrô ou no busão. Eu mato independente e enterro gavião”.
O problema não é somente as músicas que incentivam a violência, mas fora dos estádios estes dizeres saem das canções e se tornam realidade, prova disso são as cenas de brigas entre a Mancha Verde e a Independente que ocorreram em dois bairros da zona norte de São Paulo (Mandaqui e Jaçanã) e a cidade de Poá antes do último jogo entre o Palmeiras e São Paulo, em agosto deste ano.

Desta forma, é lamentável que um esporte movido pela paixão tenha os espetáculos manchados por estes pequenos grupos de torcedores que mais se preocupam em exterminar a torcida alheia antes ou depois do jogo do que incentivar o time dentro de campo.



quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O passeio em Ouro Preto que acabou em tragédia

Após oito anos, o assassinato brutal da estudante Aline Soares Silveira continua sem resposta




Por Talita Kibaiasse




Em 14 de outubro de 2001 a estudante Aline Silveira Soares, 18 anos, foi encontrada nua, de pés cruzados, braços abertos e morta no cemitério da Igreja Nossa Senhora da Mercês em Ouro Preto, Minas Gerais.
Aline foi brutalmente assassinada com 17 facadas. Desde o início a polícia suspeita que o crime aconteceu em uma simulação de um ritual de magia negra durante um jogo de RPG (Role Playing Game). O RPG é jogado por um grupo de pessoas que interpreta uma história, geralmente segue as regras de livros e todas as decisões são tomadas na hora da partida, o jogo faz o participante ler, criar histórias, pensar e decidir o final.

A vítima estava em Ouro Preto com sua prima Camila Dolabella, para participar da famosa festa do Doze, que é realizada no dia 12 de outubro pelas repúblicas locais para comemorar o aniversário da escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto. Camila e Aline chegaram em 11 de outubro de 2001 na cidade turística e se hospedaram na República Sonata, onde moravam: Edson Poloni Lobo de Aguiar, Cassiano Inácio Garcia e Maicon Fernandes Lopes. Os três estudantes citados e a prima da vítima foram os suspeitos pelo crime.
Conforme o jornal Folha de São Paulo, a polícia encontrou livros de RPG e alguns indícios, no quarto dos acusados, de que o crime foi baseado no livro Vampiro – A Máscara.
Em abril de 2006 a juíza decretou a prisão de Camila e os demais acusados, pois considerou a comoção dos moradores de Ouro Preto e a crueldade do assassinato. Entretanto, todos aguardaram o julgamento em liberdade, pois entraram com um recurso. O julgamento estava agendado para maio de 2009, porém foi adiado para 1º de julho, devido à ausência de advogados de três dos quatro acusados.
No TJ –MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) os quatro acusados foram julgados entre os dias 1 e 5 de julho deste ano. Durante este período de quase quatro dias, o Júri ouviu as testemunhas de defesa e acusação, além de ouvir o depoimento dos quatro jovens supostamente envolvidos no crime. Testemunhas da defesa informaram que os réus não possuíam envolvimento com RPG, não praticavam rituais macabros e não tinham relação alguma com satanismo. A professora aposentada Maria José Silveira Soares, mãe da vitima, deu um depoimento emocionado após aguardar oito anos pelo julgamento e disse que os réus “não se defendem, só acusam”.
Em 3 de julho, os acusados negaram participação no crime. Edson Poloni Lobo de Aguiar, 27, afirmou ser inocente e disse que também quer justiça. Ele atualmente é vendedor e reside em Vitória, capital do Espírito Santo. O apicultor Cassiano Inácio de Aguiar, 28, alega não ter envolvimento com o caso e informa que não sabe porque foi acusado. “Estou no banco dos réus por incompetência da polícia”, argumenta Cassiano ao dizer que o suposto envolvimento de RPG com o assassinato foi a única linha de investigação que a polícia de Ouro Preto seguiu. Maicon Fernandes Lopes, 27, também se declarou inocente e disse que não era um jogador de RPG. A última acusada a depor foi a prima de Aline, Camila Dolabella Silveira, 26, que alegou não ter participado do crime e não conhecer os réus antes das acusações. Ela também informa que não sabe se eles têm ou não envolvimento com RPG e que a última vez que viu Aline foi na festa do doze antes da estudante desaparecer. Após oito anos de espera, pela família de Aline e a dos réus, o Tribunal do Júri absolveu os quatro acusados de matar a filha da senhora Maria José Silveira Soares por insuficiência de provas e o caso ainda continua uma incógnita para a justiça.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Comunidades Virtuais

“Uma comunidade baseia-se na orientação da ação social, que se fundamenta em qualquer tipo de ligação emocional, afetiva ou tradicional”
Weber (1987)